Quando o futuro torna-se realidade: conheça as escolas em que seus netos vão estudar
Confira a máteria que nosso parceiro Daniel Pedrino escreveu para o blog Business blá blá blá sobre uma refexão de como serão as escolas do futuro.
Estamos em março de 2017. Por volta das duas da tarde adentrei em uma sala de aula para conhecer uma escola. Não encontrei nenhuma secretaria ou recepção para me orientar. Continuei caminhando e em uma sala, sem lousas nem cadeiras, tive um “olá” de uma moça que vestia calça de moletom, chinelos com meia cinza e um casaco preto bem surrado. A moça em questão parecia que acabara de ter levantado da cama. Eu disse que estava ali para conhecer a escola e, assim como outros jovens alunos que chegavam de todos os lados, descobri que aquela moça também era uma aluna e ela se prontificou a mostrar, o que eu comprovaria horas depois como um dos modelos mais inovadores de educação do mundo na atualidade. O local era Fremont no Vale do Silício nos Estados Unidos. A escola é a 42 US. A moça, Daniella Gerard, de 22 anos, que havia escolhido estudar ali para atuar com soluções de energias renováveis e assim poder melhorar o mundo ao seu redor.
Antes de continuarmos, vamos apenas lembrar a forma como você e eu estudamos. Desde quando entendi o que era uma “escola” eu já estava sentado, sendo obrigado a prestar a atenção em algo que muitas vezes (a maioria delas) não me interessava. Eu sentava no fundo da sala e deveria estar atento ao que acontecia bem ali na minha frente. Mas tudo o que me interessava era saber o que acontecia ao meu redor, distante da lousa, para interagir com meus amigos. De alguma forma eu exercitava a criatividade e a comunicação, quando na verdade meus professores me obrigavam a estudar trigonometria. Os anos se passaram. Os assuntos mudavam, mas a forma de aprender no colégio, graduação e MBA continuaram da mesma forma. Você lá sentado, anotando, mudando de aula a cada hora, tendo trabalho de casa, retornando no dia seguinte e indo pro repeat forever. Além disso, anos depois de tanto aprender desta forma, nos deparamos com um mundo diferente no mercado de trabalho, onde você é convidado à participar das empresas de forma ativa e não passiva.
A forma como aprendemos pode até ter evoluído em ferramentas, como no caso das aulas on-line. Mas a evolução da tecnologia em sala e ao redor da sala, não foi acompanhada pelo princípio do ensinar e do aprender. Este formato não obteve a mesma e rápida evolução que nossa rotina, fora da sala de aula, obteve.
Nos últimos 15 anos trabalho no segmento educacional e nos últimos cinco me dediquei à estudar e explorar novas formas de aprender e de ensinar, buscando por movimentos que estão surgindo ao redor do mundo. E duas são iniciativas que parecem futuristas mas que já possuem resultados práticos e mais do que isso, podem estar iniciando uma revolução na forma de aprender e de ensinar. Elas já existem e você vai se surpreender. Vamos falar então da 42 US e da Minerva School at KGI.
Voltamos aos parágrafos anteriores. Voltamos aos Estados Unidos e à 42 US. Uma escola que surgiu em Paris em 2013, mas recentemente instalada em Fremont no Vale do Silício, onde não existem professores e nem salas de aula. Você não leu errado. Sem professores e sem salas com lousas. Com o propósito de ter alunos diferenciados e aprender pela colaboração entre os alunos, a escola desenvolveu um método único que aproveita de forma individual cada habilidade dos estudantes que ali estão. E isso começa desde a inscrição. Você passa por diversas etapas com perguntas para identificar o seu perfil e sua forma de pensar. Mais de 200.000 pessoas fizeram inscrição nos últimos 2 anos de funcionamento e apenas 2.500 passaram para a próxima etapa, chamada de “Piscina”. Esta é a etapa mágica do processo de seleção e todos os alunos com quem conversei falam de experiências incríveis de autoconhecimento e impacto. A “piscina” dura 4 semanas e é totalmente imersiva, vivendo, morando e comendo no local, cada participante deve vencer os desafios e problemas diários que são apresentados sendo que a forma como vão solucionar o problema é o que realmente está sendo avaliado. A solução em si, pouco importa ali. O pensamento crítico, colaboração e inquietude é o que está sendo buscado pelos avaliadores. É nessa etapa da “Piscina” que os avaliadores identificam quem boia, quem afunda ou quem realmente consegue nadar e chegar do outro lado. Estes, com origens, nacionalidades e formações distintas, possuem um pensamento de solução de problemas e inovação que o mundo precisa. Estes, são os selecionados para iniciarem o curso na 42 Us.
E por falar em 42 US, o nome tem dois significados que dizem muito sobre o modelo de ensino. O primeiro vem da origem do numeral baseado no antológico livro “O Guia do Mochileiro das Galáxias”, onde o número é apontado como a solução para o sentido da vida, do universo e tudo mais. Neste contexto, a 42 passa a ser o caminho para este sentido universal. De outro lado, 42 são as “lições” que deverão ser realizadas durante o processo de aprendizagem que pode durar entre três e cinco anos. Quem determina o tempo, se curto ou longo, é o aluno. Eles vivem ali nos dormitórios. Podem decidir subir para os laboratórios e computadores em qualquer momento, já que ele está aberto e disponível 24h por dia e todos os dias do ano. Se você funciona melhor de noite, que tal estudar de madrugada? Quem decide a melhor forma de aprender é você.
A rotina não é fácil. A sala de aula é gigantesca. Um ambiente que parece uma nave espacial, com centenas de computadores e torres altas em um ambiente predominantemente de cor branca, mas preenchido por violão, máscaras, copos (muitos) de café, alunos descansos e com fones de ouvido. Os alunos vão chegando, sentando nos computadores e escolhendo quais lições querem aprender naquele dia. Todo o “conteúdo do aprendizado” está em uma plataforma on-line, em um modelo criado em uma esfera preenchida com várias micro esferas. Completar o curso significa completar todas as microesferas, na sequência, ritmo e forma que você quiser. Ao escolher sua micro esfera de aprendizagem, você lê materiais, assiste vídeos de tutoriais e, mais do que isso, sabe exatamente os alunos que estão naquela sala e que já terminaram esta tarefa. Basta ir até eles e pedir ajuda, tirar dúvidas e tutorias. Ao final de cada lição, os alunos são avaliados (inclusive por uma banca de alunos) que verifica a forma como chegaram à solução e caminhos que eles seguiram. Foi o que vi neste dia, conversando com Miles Robinson, um aluno de 26 anos que estava cercado de outros 4 alunos auxiliando-os na resolução de um problema em uma linha de código para fazer um robô falar. Miles foi claro quando me disse: “Aqui encontramos os melhores professores. Normalmente meus colegas que mais me perguntam as coisas são os que mais sabem me ensinar o que sabem”. Miles me mostrou então o sistema de aprendizagem da 42, onde o aluno tem a noção em tempo real dos skills que ele desenvolveu e a nota dele comparada com os demais alunos, tornando-o desta forma uma referência para ajudar outros alunos se for o caso naquela temática, skill ou lição. A conexão com o mercado de trabalho é chave neste modelo. Ao final de 11 lições, os alunos participam do primeiro estágio nas empresas do Vale do Silício. Ao final das 42 lições, eles já são recrutados imediatamente pelas empresas como Google, Facebook, Tesla, etc. Todo o curso, hospedagem e alimentação é gratuito. Espera-se que ao final do curso, já empregado, os alunos que ali passaram possam voltar e colaborar financeiramente com a 42. Um ambiente transformador e mágico, onde a colaboração e busca por solução de problemas de forma coletiva fica claramente evidente. Um modelo que busca pela coletividade, pela colaboração e pela generosidade na forma de aprender e ensinar.
A colaboração para o aprendizado não é um fato isolado da 42. Saindo de Fremont, segui para S. Francisco para conhecer a Minerva School at KGI. Estava frio e eu não via a hora de entrar no “campus” para tomar um café. Infelizmente, não encontrei um campus, mas pelo menos consegui tomar um café na Starbucks. E ali, ao meu redor, estava acontecendo uma aula da Minerva. Dois alunos, John e Mike estavam com seus notebooks conectados em uma aula, ao vivo, com um professor e outros 15 alunos que eram facilmente visíveis em um ambiente de aula virtual. Cada um dos alunos estavam em alguma parte da cidade de São Francisco, não tendo uma aula, mas desenvolvendo um projeto naquele semestre sob tutoria de professores que buscam desenvolver o pensamento crítico e solução de problemas dos alunos que ali estão. Naquele ambiente virtual, todos podem se ver e devem participar dando opiniões e participando de votações promovidas pelos professores. Estes, por sua vez separam os alunos com base nos pensamentos (virtualmente e de uma maneira mágica) e convida-os à argumentarem sobre suas opiniões. Ao mesmo tempo em que a aula ocorre, o professor habilmente preparado vai avaliando individualmente cada aluno com base na participação, argumentação, colaboração, tudo (novamente) em um ambiente virtual em tempo real.
Esta aula que presenciei da Minerva ocorre todos os dias. São 160 alunos que vivem juntos em um mesmo condomínio, mas que participam das aulas virtualmente. O Campus é a cidade em que eles vivem. A cada 6 meses os alunos devem desenvolver um projeto para melhorar algum aspecto das cidades em que eles estão habitando, sem matérias específicas. Naquele caso, Mike me contou que o projeto do semestre era relacionado à melhoria das condições dos mendigos que habitam a cidade de San Francisco. Ao final de cada semestre, os alunos se mudam para uma nova cidade, em um novo país. E isso se repete por 4 vezes durante os 3 anos e curso, onde ele irão morar além de San Francisco, em Buenos Aires, Berlin, Londres, Sidney e Hong Kong. Neste modelo de ensino, os professores não ensinam, mas querem que os alunos aprendam. A escola não possui conteúdo, ela apenas dá acesso ao conteúdo e convida seus alunos à pensarem em soluções e assim, melhorar o ecossistema ao seu redor.
Mike está no primeiro ano de curso. Ele foi aprovado em diversas escolas de elite dos Estados Unidos, como Stanford, mas preferiu estudar na Minerva, por considerar que pode oferecer maior caminho para ele ter impacto positivo no mundo. Além de Mike, mais de 12.000 pessoas fizeram inscrição para a Minerva no último ano. Somente 160 foram selecionados e pagam cerca de 12 mil dólares por ano para estudarem ali. Um valor bem inferior das escolas renomadas dos Estados Unidos, mas que segundo Mike, possibilita um pensamento exponencial de crescimento.
Com formatos e métodos diferentes, 42 US e Minerva estão mudando a forma de ensinar e de aprender. Estão rompendo com tudo o que pensamos sobre educação. As mudanças dos modelos de educação não são triviais e muito menos rápidas. Os ciclos são longos e muitos “catedráticos” não permitem um avanço ou ruptura dos modelos atuais até por um sentimento de auto preservação. Por isso, olhar os novos modelos que estão surgindo, embora não tenham grande escala e conhecimento geral, podem representar a mudança drástica de um modelo que pode ser totalmente viável nas próximas décadas. Olhar para estes novos modelos é como olhar para o que a Apple fez transformando drasticamente diversos setores, inclusive o fonográfico. É conseguir imaginar como as pessoas serão preparadas para lidar com os desafios globais das próximas décadas e como elas vão lidar neste contexto. É pensar na forma de educação menos unilateral e mais colaborativa, aproveitando o melhor individualmente e compartilhando com os demais. É pensar em um mundo menos individualizado, centrado em si, e se conectar realmente em rede, expandindo de maneira positiva a consequência de uma boa educação que é melhorar efetivamente o mundo ao nosso redor. Minerva e 42 são exemplos de ousadia e que não têm a pretensão de mudar o mundo. Mas têm a ambição de mudar a forma de pensar e causar impacto ao redor dos que por ali passarem. E como será este mundo daqui 100 anos, pensando neste modelo que pode ser ampliado, levado para dentro de nossas casas, empresas e cidades? Será que estamos prontos e rumando para esta nova direção?
Por by Daniel Pedrino